23 março, 2015

Kendrick Lamar - To Pimp A Butterfly (2015)

Nota: 9,7







Eduardo Kapp




Aviso: esse texto foi escrito por mim, branco. Não falo pelas pessoas não-brancas, não pretendo interpretar muita coisa no lado político do álbum porque não quero correr o risco de falar merda. Se o fizer, me avise.

"By the time you hear the next "pop", the funk shall be within you"

O que temos aqui, antes de ser um disco, música pra se apreciar (ou não), é arte na sua forma mais intensa: subversiva (tanto do convencional quanto da própria subversão). Pra tentar introduzir isso um pouquinho melhor, uso aqui a pergunta que o próprio Kendrick deixa pro ouvinte pelo final do disco: "When shit hit the fan is you still a fan?".

Diferentemente dos seus álbuns anteriores (em especial o good kid, m.A.A.D. city), esse é um disco quase que objetivamente político, totalmente sobre a resistência, vivência, noções e questionamentos das pessoas negras, pobres, excluídas. Digo, no gkmc temos essa quase autobiografia do Kendrick, que embora foque na política, é um tanto mais teatral, específica e prática.

Em "To Pimp A Butterfly", somos tomados pela confusão, raiva, tristeza, ironia, convicção e até um pouco de relativismo. Isso é um clássico do Kendrick, tem muita contradição, questionamentos e um pouco de impulsividade. Produzido pelo próprio Dre (que aparece durante o álbum), com colaborações e participação de nomes como Flying Lotus, Tae Beast e Terrace Martin (entre outros, esse disco é quase que colaborativo), temos aqui não só um impacto lírico absurdo, como um lado musical surpreendente. Como se não bastasse a combinação (que anda em alta agora) de Free Jazz e Hip Hop experimental, tem umas quebras de estrutura, umas inserções sonoras durante as música que mesmo "quebrando", mantém o ~~flow~~ dos sons. Digo, não precisa fazer quase nenhum esforço pra ouvir.

É como se tivesse uma banda de apoio fantasma com os nomes clássicos do avant-garde jazz, apresentada de uma maneira não-amigável para as rádios. "For Free? (Interlude)", que além de esmagar nossas mentes com dezenas de versos sobre uma vida caótica de pobreza, problemas de relacionamento e famílias "corrompidas"; nos dá a expressão máxima da parte Jazz dessa jornada.

Mas isso ainda seria superficial pra descrever o que acontece por aqui. Tem essa narrativa muito sutil durante o álbum, onde mesmo parecendo que cada música vai pra uma direção diferente, tem algumas linhas em comum entre elas, como se fossem pequenas histórias acontecendo no mesmo contexto. Kendrick fala sobre uma "Lucy", que seria a fonte de todos os problemas dele, talvez algo pra ter como "alvo", como se livrando-se dela tudo fosse acabar,  o que realmente importa é que "u"  baixa a guarda de Kendrick, que discute consigo mesmo, entre linhas de funk, com uma vibe mais sombria, "I fuckin hate you // I hope you embrace it" "Lovin you is complicated" "Lovin you // Not lovin you".

É bizarro como essa confusão toda soa incrivelmente bem nessa atmosfera groovy, te deixando no limite surreal, preso por um fio, até que outro chute lírico te lembre da realidade. Por sinal, o "chute" mais forte e agressivo por aqui certamente é "The Blacker the Berry". Um desabafo impaciente e impiedoso, sem tempo pra "entendimentos", Kendrick vai direto ao ponto: "You sabotage my community, you made me a killer" "You hate my people[..]".

A essa altura, é difícil decidir o que exatamente se está sentindo. É tanta coisa acontecendo em todos os lados desse disco. Tem esse poema falado que assombra o fundo das músicas durante o álbum, ele aparentemente reúne todas as temáticas apresentadas e é revelado por inteiro só no fim do álbum. Divaga sobre a juventude que luta e sobre como é difícil resistir a medida que se fica mais velho. Divaga sobre o futuro da resistência, uma possível revolução, ou se, simplesmente, "vai dar tudo certo no final". Se o caminho é lutar ou refletir, ou os dois. Kendrick questiona suas próprias verdades, percebendo o quanto aprendeu e principalmente o quanto o contexto, a esfera de sua luta é muito maior do que possa compreender. "Você só revida quando eles te colocam na parede?". Os fãs do Lamar vão abraçar essa luta? 
"When shit hit the fan is you still a fan?".

Esse disco é sensacional. Uma experiência (perdoe o clichê) sonora sem precedentes. Intenso e muito bem montado, talvez o álbum de rap definitivo dos últimos anos.

Onde ouvir: https://www.youtube.com/watch?v=P2oVWZyyaxs

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